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A responsabilidade das grifes pelo trabalho escravo nas oficinas

Eis o caso: um empresário, a que chamaremos de Grife, possui lojas onde uma calça de sua marca é vendida a R$ 120,00. A Grife não possui produção; contratará uma Confecção pagando-lhe R$ 40,00 pela peça. A Confecção conta com poucos trabalhadores, uns três costureiros altamente qualificados (os chamados piloteiros) e se dedica a fazer uma peça piloto. Aprovada tal peça pela Grife, é iniciada a produção. Para tanto, a Confecção contrata uma Oficina de Costura. Oferece-lhe o preço de R$ 4,50 à peça e, se o oficineiro não aceitar, há quem aceite. O dono da oficina recorre a seus trabalhadores, que serão remunerados à razão de um terço deste valor para cada peça que produzirem. Em síntese: Grife à Confecção à Oficina.
 
Este trabalhador é um cidadão boliviano, peruano ou paraguaio que reside nos fundos da Oficina espremido com outras famílias; encontra-se em situação migratória irregular e sem Carteira de Trabalho; trabalha das 7h às 0:00h (com cinco intervalos: desjejum, almoço, lanche, janta, ceia), de segunda a sábado, em péssimas condições de segurança, higiene e conforto, recebendo de R$ 400,00 a 600,00 por mês.
 
Análise econômica dos direitos. Nossos últimos cálculos identificaram uma vantagem competitiva em torno de R$ 2.300,00 por mês que a Confecção obtém por cada trabalhador ativado perante a Oficina na forma que descrevemos, fruto da supressão de direitos trabalhistas e tributos. Se vinte costureiros forem ativados no processo, terá uma vantagem mensal de R$ 46.000,00 sobre um concorrente cumpridor das leis. Portanto, ao concorrente só restará: a) fechar sua Oficina ou Confecção; c) copiar tais práticas.
 
Não à toa, tivemos a impressão de que se trataria de uma curva crescente quando o Consulado da Bolívia em São Paulo nos estimou em 2012 a presença de 300.000 bolivianos em São Paulo, dos quais mais de dois terços estariam em situação migratória irregular. É sinal de que a lesão trabalhista já contaminou esse mercado de trabalho, pois a irregularidade migratória é o principal fator de vulnerabilidade deste exemplo de escravidão contemporânea urbana.
 
Estamos, pois, diante do que os ambientalistas chamam de externalidade negativa: uma degradação socioambiental como efeito colateral da cadeia produtiva da Grife. Percebe-se que não são apenas razões de ordem humanitária que empolgam o combate ao trabalho escravo; são também razões de ordem econômica: o interesse público vertido na consecução de um ambiente de concorrência leal, para que aquele que cumpre a legislação não seja prejudicado por quem adrede a afronta (destarte, é indiferente perquirir se o trabalhador se sente ou não lesado; não é apenas a sua situação pessoal que demanda tutela, mas o interesse coletivo).
 
Internalização das externalidades. A concentração de esforços em face da Oficina levará à formalização da situação de 20, 30 trabalhadores. A atuação na Confecção elevará este número em algumas dezenas. Já a atuação em face da Grife abrangerá até quinze mil costureiros, a um dispêndio de esforços e recursos que pouco varia conforme o alvo. Portanto, a solução racional do problema requesta imputações à Grife. Ressalte-se que não se trata de um beneficiário situado em ponto remoto da cadeia produtiva; falamos em um nível de cadeia com fácil visualização de suas intercorrências e de fácil intervenção para o detentor do poder econômico relevante.
 
É relativamente simples lastrear a responsabilidade da Grife na teoria da culpa, sobretudo nos casos em que esta se coloca em situação de deliberada cegueira ante a inidoneidade de seu fornecedor.
 
Mas não é suficiente: o direito das sociedades de massa parte da ideia de que algumas atividades geradoras de externalidades negativas devem ser toleradas, porquanto essenciais à humanidade. Mas à sua exploração impõe-se o princípio do aprimoramento contínuo, da busca incessante pela neutralização de tais externalidades.
 
O princípio do aprimoramento contínuo, extraído de diversos diplomas ambientais e corolário da função social da propriedade, não se compraz com a teoria da culpa. A culpa é inibitória do aprimoramento contínuo, induzindo à zona de conforto, à limitação de medidas preventivas ao atual estado da técnica. Daí a opção, em matéria ambiental, pela responsabilidade objetiva: sem a possibilidade de se escudar na culpa, o que resta ao poluidor é a máxima evitação do resultado.
 
Sem embargo da suficiência de fundamentos jurídicos extraídos dos direitos de 3ª dimensão para problemas trabalhistas que transcendem as relações meramente intersubjetivas, temos visto um movimento cada vez maior de criação de uma teoria propriamente trabalhista sobre responsabilidade em nível de CLT. Socorrendo-se da expressão “assumindo os riscos da atividade econômica”, veiculada pelo art. 2º da CLT, e da noção de grupo econômico trabalhista, testemunhamos o renascimento nos tribunais do princípio da ajenidad (alteração, alheamento) por trás de teorias como a da subordinação integrativa. Aquele que detém o poder econômico relevante em uma cadeia – quem mais se beneficia do trabalho humano - deve arcar minimamente com os ônus decorrentes. É o princípio da Justiça, objetivo fundamental da República.

Fonte: Carta Forense

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